quarta-feira, 26 de novembro de 2008



AQUELE ESTADO...



Ando por aí. Do ato de andar mesmo. De passo em passo vou alcançando aquilo que não me faz diferença, porque não ando a procura, nem ando chegando, simplesmente estou andando.

Não lembro minha rua, nem onde se situa minha casa, tampouco se já cheguei a ter alguma.

As cores são vibrantes, o azul do firmamento chega a parecer tinta líquida e a impressão é de que inunda a visão, mas não dói e nem humedece.

O solo é cinza, aquele concreto liso, sem depressões, porém de vez em quando se torna íngreme, mas dá a impressão de estar entrando pedras e ciscos nos olhos, de tão concretizado que é. A grama, o mato, a árvore, como queira... Tão verdes e selvagens são, mas é tudo bem deserto.

Passo por uma, por duas, por três estalagens e prossigo. Na quarta, aparece uma mulher que ruma para a mesma direção em que estou andando. O Sol bate no cabelo laranja e brilha intensamente, sendo assim, complicado de olhar, pois ofusca e dói. Ela segue ao meu lado, mas não diz nada, não me olha nem se quer de soslaio.

O Sol brilha forte, aquece muito. O vento pára e o suor começa a escorrer.

- Ah, que calor, onde vou achar água por aqui...! – Disse ela. Mas ainda assim, não olhava para mim.

- Por que não trouxe consigo da estalagem? – Perguntei e não houve resposta.

Dessa forma, continuamos a andar calados. O único barulho que se escuta é a respiração ofegante da mulher dos cabelos cor de fogo.

Chegamos a uma bifurcação.

Ela, que estava desde o início do meu lado esquerdo, segue para o mesmo e eu viro à direita. Sigo em frente.

Até então, eram raras as árvores que apareciam, mas desde que tomei o caminho da direita, as árvores começaram a surgir com mais frequência, até que se tornou um típico bosque. O solo de puro concreto se torna terra pura e fértil. Coelhos começam a saltitar ao meu redor.

Olho em frente e vejo um homem colhendo amoras silvestres. Sua cartola de um roxo fúnebre e intenso servindo-lhe de cuia para depositar os frutos colhidos. Ele terminou de colher e seguiu caminhando do meu lado direito assim que eu me aproximei. Os sapatos produzem um som estranho, como se tivesse entrado água dentro, e ele caminha com um sorriso espontâneo decorando sua face jovem e gaudiosa. Ele coloca a cartola na cabeça e nenhuma fruta cai, segue cantando a meu lado algo que não entendo. Chegamos a uma bifurcação.

Eu me desvio dos arbustos e entro à esquerda, já ele segue pela direita. Até que não escuto mais a voz fina e estranha cantarolando algo singular.

Não sinto sede, nem fome e nem sono. Também não me canso. Estranho, porém fabuloso.

O Sol começa a querer se pôr e o céu fica rosado. Um rosa feminino e frágil, esparzindo entre as partes azul-celestes.

Reconheço uma praça, com uma fonte de anjos no meio, os quais jorram água pela boca em pequeninas cascatas. Num branco banco, sentado, há um garotinho de preto, cabelo preto, roupa preta, enfim, olhos negros que ardem. Mas é tão branco que dói quando seu brilho reflete; típica porcelana quase azul. Mirando nostálgico para algo que não é concreto, percebo seu olhar fixo tão mofino, mas mesmo assim, ardido.

Ele se levanta e começa a caminhar à minha frente, a uns três passos de distância.

Ouço-o choramingar, como se sentisse dores de estômago, mas ele coloca a todo minuto a mão em sua nuca e levanta o cabelo um pouco crescido, de uns quatro dedos de comprimento, enquanto aperta o passo, aumentando a nossa distância. Vejo a todo minuto, logo à minha frente, aquela nuca com uma fechadura dourada que reluz, talvez de ouro. É simples o que está tentando fazer, colocar uma chave e girar para que algum segredo seja libertado. Uma bifurcação aparece em nosso caminho.

O menino pára e quando eu me aproximo, ele estica o braço e coloca a chave que, dessa vez, entra sem trabalho no buraco da fechadura. Gira uma, duas, três vezes. A portinhola de ouro da fechadura se abre e ele se divide em dois, iguaizinhos, um segue à esquerda e o outro à direita. Minha vista está ficando turva e embaçada.

PUF.



Pi...Pi...Pi...

Abro meus olhos. Quanta luz, que dor imensurável.

- Oh meu Deus! Um milagre... – Ouço uma mulher gritando e a voz me é familiar.

Só enxergo um céu branco, branco e super reluzente.

- O que está acontecendo? – Pergunto com os olhos entreabertos por causa da claridade.

- Estado de coma, você conseguiu sair, um vencedor!

Viro os olhos para o lado e desejo de todo o coração voltar para aquele coma onde tudo era vibrante e esquisito.




Fim.




Um comentário:

Caroline. disse...

em passos mudos, a gente chega onde queremos.